domingo, 9 de maio de 2010

Janela

Vou colocar aqui um texto que escrevi anos atrás, mais precisamente em 2003. Até é baseado em fatos reais, mas é principalmente uma obra literária.

Janela

Do meu telhado, eu vejo uma janela. De fato, vejo muitas. Algumas sempre abertas, outras nunca. Há aquelas com flores, e as sisudas, as cheias de gatos. Aquela uma, porém, é mistério. Havia um dinossauro de montar fosforescente. Sumiu. Havia uma guitarra. Desapareceu. Inúmeras vezes as venezianas abertas me mostraram as portas escuras do armário aberto. Ainda outras, roupas no peitoril.

No entanto, nunca nela vi gente. Gente nenhuma. Movimento nulo. Mistério.

A janela me observava. Eu andava no telhado. Cantava com minha irmã. Jogava bola. Buscava bola. Fazia churrasco. Varria. Chovia. A janela me observando, sempre.

Ela sabia de meus segredos, dos choros secretos nos recantos das telhas, das músicas alegres, das lições de matemática, e eu, que sabia dela? Sabia que era puro medo, um olhar sempre presente, avassalador.

Passaram-se anos.

E ele me vira: você é minha vizinha!
Eu: hein?
Eu já te vi no telhado!
Mas como?
A janela é minha.

Os minutos. Ele sabia de tudo de mim. O que eu sabia?

Era seu o dinossauro da janela?
Ele: nossa.
Medo.

Era tudo o que eu sabia. Ele sabia tudo. Mas ele invadia o telhado, eu invadi o quarto. Surpresa.

Por que no telhado?
Por que o dinossauro?

Encaramo-nos. Insustentáveis. Dois que se sabiam em detalhes indizíveis e insabíveis. Começo de tudo?

Fim de tudo.

Não subi no telhado.
Ele fechou a janela.
Mudamos de casa.

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