domingo, 21 de março de 2010

Escrevinhar

Sabe,

Acho que eu sei porque gosto mais de escrever RP do que simplesmente escrever. Toda a minha produção literária dos últimos anos foi nesse formato. Antes, eu escrevia contos, começos de histórias, sonhos, e até poesia. Mas nunca achei que eu fosse capaz de escrever uma história do começo ao fim, nem nunca tentei. Nunca tive uma história dentro de mim, sempre só um começo, idéias de por onde o caminho passaria, mas jamais o nó, o objetivo, a relação entre as personagens e a trama, jamais uma trama. Quando imaginava histórias com a Marina, sim, começávamos a ir mais longe... e sempre acabava no esquecimento. Não que eu me importasse muito. Meu amor não era pela trama em si, mas pelas personagens, por suas possibilidades, pelo que amavam e faziam. Acho que nunca quis realmente escrevê-las para não definir seu futuro.

No roleplay, é diferente. O futuro não precisa nem deve estar definido. Criamos as personagens, fazemos com que nasçam em um mundo conhecido (o mundo do battlemaster.org é muito interessante para isso), e conforme escrevemos suas histórias o mundo revolve ao seu redor. Existem alguns milhares de outras personagens, escritas e comandadas por outras pessoas, criando um quê de imprevisível nisso tudo.

Criei a Guerreira Ilya, que protegia os indefesos e estava livre para lutar agora que um filho homem havia nascido de seus pais. Desde 2007, Ilya aprendeu estratégias de guerra, aprendeu a proteger os fracos, apaixonou-se por um cavaleiro que respondia com muita calma às suas perguntas, ajudou sua irmã a fugir de casa, tornou-se Baroneza, casou-se em um torneio, com dezenas de nobres vindos de toda a parte para a cerimônia, teve dois filhos, tornou-se uma estudiosa, fez amizade com inimigos em campo de batalha, tornou-se diplomata, viu seu marido tornar-se Duque, foi eleita Rainha do reino que amava, perdeu o trono, reconquistou-o, viu seu reino ser despedaçado por seus inimigos, e no momento está viajando, sem saber bem se deve dar vazão ao seu sentimento de vingança ou aposentar-se da política.

Ilya deixou de ser guerreira há muito tempo. Sua vida e o que ocorria ao seu redor forjaram sua personalidade mais do que eu pude conceber com minha idéia inicial de quem ela era. Sua irmã, Vanya, começou como a intelectual, que seria burocrata e mentora, para se tornar guerreira implacável, muito mais do que a misericordiosa Ilya jamais poderia ter sido. Amou, teve uma filha sem oficializar a união, e agora, quando já não pode estar sempre em campo de batalha (pois eu mesma não posso entrar no jogo o suficiente para acompanhar o restante do exército), tornou-se a Banqueira do reino, garantindo que os camponeses estejam bem alimentados, favorecendo discretamente os nobres que lhe são leais, treinando sua filha para a guerra em seu lugar.

Muita coisa do que aconteceu a elas foi minha culpa. Às vezes o simples fato de que eu não pudesse responder uma carta à tempo, ou não pudesse perceber uma entonação possivelmente insultuosa de minhas palavras (por mais que eu escreva bem em inglês, ainda falho um pouco nas entonações e sutilezas das expressões)... Coisa que nenhuma delas faria conscientemente, sendo tão inteligentes quanto eu as imagino. Apesar de que Vanya causa constantemente problemas diplomáticos por gostar de fazer piadas: é uma guerreira implacável que tem muito bom humor e adora uma boa cerveja. Infelizmente o humor de seus interlocutores nem sempre entendem o que ela quer dizer: as percepções humorosas variam muito de nação para nação.

É assim: elas só são tão inteligentes, espirituosas, implacáveis ou rudes quanto eu mesma consigo ser. Se eu falho em pensar numa rudeza de fato, não posso controlar a reação do outro, pois não é uma personagem minha.

Existe essa duplicidade, de onde termina a personagem e onde começa a capacidade da Talita. Ao mesmo tempo, a personagem se desenvolve lindamente, afetada por fatores internos e externos, muitos fora do meu controle. Além disso, há o que aprendi sobre minhas próprias limitações, o que será assunto para algum outro post.

Eu diria que a chave da minha preferência é justamente a imprevisibilidade, a falta de controle sobre o futuro, e o fato do final estar sempre à frente, aberto, possível. Gerações substituem as outras, em um épico lindo que não tem fim.

Um comentário:

Massao disse...

Escrever é muito bom, lembra dos tempos da EFF :-)

Infelizmente meu lado breaco tem falado mais alto e eu tinha me afastado, mas agora estou voltando, aos poucos :-)

Congrats! :-)